Brasil: Redes de streaming compartilham experiências dos protestos de 2013

Com o intuito de ajudar a sistematizar os aprendizados e experiências dos coletivos brasileiros que se dedicaram à transmissão ao vivo (livestreaming) durante protestos em 2013, a WITNESS organizou uma conversa online com representantes das redes da Rio na Rua, Mídia NINJA, CMI-Rio e Maria Objetiva.  Participantes relataram casos em que o streaming ajudou a proteger direitos de manifestantes, assim como desafios e preocupações específicas à transmissão ao vivo em si.

Entre as vantagens do streaming como ferramenta de defesa dos direitos humanos, participantes apontaram:

  • a possibilidade de driblar censura ao garantir, sem cortes,Screen Shot 2016-06-30 at 3.14.15 PM o registro e a preservação da informação em tempo
    real (não podem ser apagadas de um cartão de memória como no caso de vídeos ou fotos, por exemplo).  Isso se mostrou extremamente importante em casos como o do Bruno Ferreira, acusado falsamente de ter jogado um coquetel molotov na Polícia – após um trabalho árduo de sistematização colaborativa, ativistas conseguiram rastrear diversos streamings para encontrar o frame exato que comprovava sua inocência.
  • ao visibilizar as demandas de um protesto, oferece alguma proteção de garantia dosScreen Shot 2016-06-30 at 1.54.17 PM direitos dos manifestantes em meio a ameaças de violência física ou moral da polícia (pode inibir maior violência por parte da Polícia,
    por saber que “tem mais gente de olho).  O caso da prisão do Carioca, repórter do NINJA, demonstrou isso – quando a Polícia tentou prendê-lo ilegalmente, ele respondeu que havia “5 mil pessoas assistindo àquela ilegalidade (via o streaming que ele fazia no momento)” e isso ajudou a protegê-lo.
  • a possibilidade de usar o streaming para conectar pessoas que podem ajudar – enviar advogados para delegacias específicas se ocorrem prisões ilegais, por exemplo, ou socorristas a um local específico onde há feridos.  O Rio na Rua, por exemplo, operava uma base central para acompanhar os diferentes streamings durante grandes protestos e poder coletar, verificar e compartilhar as informações com maior agilidade e eficácia.
  • a criação de uma ponte que conecta a audiência que assiste ao streaming de longe e as pessoas fisicamente presentes no local, abrindo possibilidades de colaborações mais concretas de solidariedade, mobilização, envio de apoios específicos (os manifestantes que ocuparam a Câmera Municipal do Rio, por exemplo, pedindo mantimentos para as pessoas acompanhando os acontecimentos de longe).
  • a coleta de provas que podem inocentar e proteger manifestantes, Foto_JairSeixas_Baianocomo no caso da prisão do ativista Baiano.  Como no caso do Bruno, ativistas conseguiram localizar UM FRAME e meio a horas de vídeo que provava que o Baiano havia sido levado embora preso na mesma viatura policial que ele estava sendo acusado de incendiar.  Ops!
  • a possibilidade de usar o streaming para aumentar a pressão em autoridades públicas, como no caso da ocupação Espaço Comum Luiz de Estrela, em Belo Horizonte, quando as reuniões com o Ministério Público e outros órgãos foram transmitidas ao vivo, ajudando a mostrar às autoridades que tinham muita gente acompanhando e mobilizada.  Os ativistas avaliam que, dessa maneira, o streaming ajudou a evitar a ameaça de despejo forçado da ocupação, que ganhou direito de uso por 20 anos em 2013.
  • a força do streaming para disputar a narrativa da grande imprensa comercial e preservar a memória de luta dos protestos e movimentos por direitos humanos.

Já os desafios do streaming para a defesa de direitos incluem:

  • possível perda de controle das informações em momentos críticos em que a segurança de ativistas ou manifestantes pode estar sob risco.
  • baixa qualidade das imagens, dependência de mínima infraestrutura de equipamentos e conexão boa à internet.
  • exposição da identidade de manifestantes e ativistas, o que pode ajudar a Polícia a criminalizar e/ou acusar ativistas de crimes como forma de intimidação (um exemplo disso aconteceu em Nova York durante o movimento do Occupy Wall Street, o caso da Cecily McMillan)

Alguns aprendizados compartilhados (resumido da fala dos participantes):

  • Narração: por ser uma transmissão ao vivo que compartilha informações em tempo real sobre eventos que ainda estão se desdobrando (uma descoberta dos fatos no decorrer da ação), percebemos a importância de fazer narração no streaming para situar o audiência em meio à baixa qualidade das imagens.  Assim, também percebemos que a linguagem do streaming se aproxima mais à do rádio do que a de TV.
  • Áudio: muitas vezes as pessoas deixam um streaming ligado no computador enquanto fazem outras coisas, acompanhando o áudio diretamente e olhando as imagens quando há um momento mais importante.  Por isso, percebemos a importância de priorizar uma boa qualidade de áudio.
  • Produção: era bem melhor manter as imagens estáveis e fixas em vez de ficar se movendo demais.  O 3G era rápido mas ainda de baixa qualidade e não rápido o suficiente para fazer um pan das imagens por exemplo.
  • Continuidade: percebemos que era super importante sempre recapitular todos os fatos principais várias vezes ao longo da transmissão para situar novos espectadores no que estava acontecendo.
  • Segurança: Tínhamos uma preocupação grande com a segurança de quem fazia o streaming, e não queríamos produzir informações que seriam usados como prova contra manifestantes então sempre tentamos evitar closes do rosto das pessoas nos protestos (sem o close, a baixa qualidade das imagens dificulta a identificação).

Mobile-Eyes-Us: durante a conversa, a WITNESSMobil-Eyes_Workflow também apresentou algumas ideias inicias do projeto Mobile-Eyes-Us, que visa pensar na ideia da co-presença, ou seja, a possibilidade de quem está assistindo a um livestream de se sentir como parte da ação ou evento.  Isso poderia incluir questões como:

  • possíveis maneiras que audiências remotas (que assistem a um streaming) poderiam intervir no evento que está sendo transmitido.  Como poderíamos ir além de apenas comentar e testemunhar o que está ocorrendo?  Poderíamos, por exemplo, pensar em formas de aproveitar o expertise de quem está assistindo para melhorar/influenciar a própria transmissão? Exemplos:
    • advogados assistindo ao streaming orientando quem está transmitindo sobre cenas/depoimentos que seriam importantes filmar para futuro uso jurídico
    • editores de vídeo fazendo montagens rápidas e em tempo real das transmissões para divulgação imediata
    • voluntários para fazer análise coletiva em tempo real, identificando policiais envolvidos, catalogando presos e delegacias como vcs já mencionaram que foi feito no Rio, etc
  • como melhor representar as audiências remotas nos atos e protestos em si – por exemplo, usando visualizações de luz ou áudio para representar a quantidade de pessoas assistindo a um stream com a esperança de que esta representação mais concreta e visual da co-presença possa contribuir para evitar maior violência.

Como dá para perceber, foi um diálogo bastante rico!  As redes continuarão trocando dicas e explorando maneiras de colaborar nos próximos meses.  Conhece um bom exemplo de streaming usado para defender (ou até mesmo atacar) direitos?  Compartilha conosco nos comentários!