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Eric Garner e Pedro Gonzaga: 2 homens negros enforcados diante das câmeras

O que Eric Garner de Nova York tem a ver com Pedro Henrique Gonzaga do Rio de Janeiro?

Vito Ribeiro – Program Manager WITNESS Brasil

Dia 14 de fevereiro mais um vídeo gravado por celular viralizou nas redes sociais e indignou a população do Rio de Janeiro. Nele se vê um segurança particular do Supermercado Extra – Barra da Tijuca (rede de supermercados que pertence ao Grupo Pão de Açúcar) cometendo um assassinato brutal diante dos clientes e funcionários do mercado.

Pedro Henrique Gonzaga de 19 anos, ainda foi socorrido no próprio chão do mercado Extra, que segundo sua mãe e seu padrasto em depoimento à delegacia: “teria problemas mentais e era usuário de drogas”. Pedro não resistiu ao tempo de sufocamento a que foi submetido pelo segurança, e morreu de parada respiratória ao chegar no hospital.

O assassino, Davi Ricardo Moreira trabalha para a empresa de segurança privada Group Protection, que presta serviço a diversos estabelecimentos da cidade, foi preso em flagrante no mesmo dia, mas a noite foi liberado após pagar fiança. A empresa alegou que o jovem estava tentando roubar o mercado e na luta corporal com o segurança teria tentado retirar a arma do funcionário. Fato que até agora não se comprovou nem pelos vídeos que foram divulgados, nem pelos primeiros depoimentos coletados em sede policial.

O caso nos remeteu diretamente ao assassinato de Eric Garner 43 anos, que em 2014 foi enforcado por um policial em Staten Island – Nova York até a morte. Eric foi acusado de estar vendendo cigarros a varejo na rua, e quando os policiais o abordam, um deles agarra Garner com um mata leão que também resulta em uma parada respiratória.

A morte de Garner foi filmada pelo celular do seu amigo Ramsey Orta, e nele pode ser visto a vítima pronunciar diversas vezes: “I can’t breathe” – Não consigo respirar.

A morte de Garner chocou os Estados Unidos, disparou uma onda de protestos, levantou o debate sobre a violência policial contra os negros e o racismo estrutural da NYPD. Ainda trouxe à luz o debate sobre o direito de filmar a ação policial e por fim resultou na perseguição judicial e condenação de Ramsey, por ter filmado a ação. O autor do vídeo foi acusado de uma série de crimes e acabou condenado e preso no complexo de Rikers, considerada uma das piores prisões do mundo.

Enquanto Daniel Pantaleo, agente da polícia que enforcou Garner, segue livre, não encarou nenhuma acusação criminal, somente um processo administrativo para avaliar se ele continua na corporação policial.

O que os dois homens tem em comum? 

A pele negra, que fez de Eric Garner em Nova York em 2014 e Pedro Gonzaga em 2019 no Rio de Janeiro, corpos matáveis com requintes de crueldade. Mesmo diante da população, dos celulares, das câmeras de segurança, do grito das pessoas, ambos foram mortos por homens brancos que defendem os interesses da classe dominante e dos mega-empresários.

Garner era asmático e não resistiu ao golpe e foi sufocado na calçada da rua diante da câmera de celular de seu amigo. Pedro Gonzaga, segundo sua mãe, tinha problemas mentais e foi sufocado sem reação no piso do mercado, diante das câmeras dos clientes.

Ambos  foram mortos por “invadir e ameaçar” o funcionamento normal da engrenagem do consumo. Por impedir a segurança das pessoas de comprarem. Por serem esses corpos criminalizados e executáveis. Por servirem como execução modelo e espetacular para a mídia e a sociedade reacionária.

A certeza da impunidade X Direito de Filmar

Em ambos os casos os assassinos e seus “apoiadores” não se privaram de inibir e intimidar as pessoas que estavam filmando. Mesmo motivados e certos da impunidade que beneficia os racistas, em ambos os vídeos é possível ouvir pessoas tentando intimidar quem está empunhando a câmera, porque apesar da impunidade garantida aos que MATAM NEGROS, todos sabem que a câmera é a última trincheira de resistência de uma população cansada de genocídio e agressões. É ela que rompe o silêncio e convoca toda a população pro debate.

Agora é preciso que esses vídeos cheguem à responsabilização e justiça. E pra isso, um arquivo digital – por mais contundente que seja – não será suficiente. É preciso que a sociedade se levante e denuncie, que mostre que não vai mais admitir o racismo em todas as instâncias.

Toda solidariedade à família do jovem Pedro Henrique Gonzaga, que a esse momento está certamente destruída e indignada clamando por justiça. Pior ainda deve ser ler nas redes sociais que o assassinato do seu filho foi aplaudido e comemorado por uma população sedenta por sangue e pelo espetáculo da execução de negros em público.

Estimuladas e encorajadas pelo novo presidente Jair Bolsonaro, que ascendeu ao poder com promessa de facilitar o porte de armas e endurecer contra os pobres e movimentos sociais de direitos humanos, a população brasileira vai pouco a pouco se tornando o carrasco que enforca corpos negros em execuções públicas e espetaculares.

No detalhe das fotos, o ainda candidato do PSL em campanha, faz a sua famosa “arminha de dedo” em uma criança diante das câmeras e fanáticos exaltados. E diante da polêmica gerada, disparou: “Meus filhos aprenderam a atirar com 5 anos de idade” para depois criticar o ECA (Estatuto da Criança e Adolescente).


Pacote Anti-crime e a carta branca pra matar

O ministro da justiça e segurança pública Sérgio Moro, apresentou no dia 4 de fevereiro um projeto de lei de 34 páginas que propõe alterações em 14 leis e decretos anteriores, para tratar de temas como corrupção, crime organizado e violência. Algumas das medidas são questionadas por especialistas e advogados criminais.

Para Antônio Castro Almeida, advogado criminalista que falou à imprensa: “”Se este projeto (como um todo) passa, o que teremos é um aumento considerável da população carcerária e, como efeito óbvio, um enorme número de novos membros a serem recrutados pelo crime organizado e pelas organizações criminosas”.

O artigo, que foi considerado bizarro em vários aspectos, sugere redução de pena até a metade ou mesmo que ela seja anulada quando uma pessoa cometer um crime contra a outra em um contexto justificado por “medo, surpresa ou violenta emoção”.

Violenta emoção é o mesmo que dizer à polícia: Carta branca para matar negros!