Mobil-Eyes Us, uma introdução

O Mobil-Eyes Us é um projeto de WITNESS e do WITNESS Media Lab para explorar o potencial de novas abordagens para narrativas ao vivo para ação. Examinamos tecnologias, táticas e narrativas para usar vídeos ao vivo para conectar os espectadores às experiências da linha de frente de questões de direitos humanos que lhes interessam e transformá-los em “testemunhas distantes” que tomarão ações significativas para apoiar os ativistas da linha de frente. Entre outros elementos, desenvolvemos uma série de experiências de narrativas, em colaboração com ativistas de direitos humanos com base em favelas no Rio de Janeiro, bem como um aplicativo. O aplicativo Mobil-Eyes Us (em teste alfa) permite que um grupo de ativistas crie uma série de transmissões ao vivo do Facebook – de uma testemunha ocular, uma ativista e/ou qualquer outra pessoa – e encaminhe estas para as pessoas certas em sua rede para assistir, tomar ações individuais ou em grupo, por exemplo, compartilhamento rápido, representação no local, ou ajudar a traduzir, fornecer orientação ou contextualizar. Aqui a nossa Líder de Projeto no Rio, Clara Medeiros, explica o que nós iremos cobrir nessa série de blogs de aprendizado.

Durante essa série de publicações iremos compartilhar as lições aprendidas a partir dos vídeos ao vivo de 18 ativistas e coletivos de favelas do Rio de Janeiro que durante 2017 criaram impacto em suas comunidades, tanto a partir de denúncias de violações de direitos humanos como a partir da divulgação e apoio de iniciativas da e para a favela. A partir da análise de coberturas de marchas solidárias, convocatórias, transmissões de ações planejadas, transmissões com denúncia de violação de direitos e transmissões de longa duração em geral vamos entender as estratégias e técnicas usadas com sucesso por ativistas da linha de frente.

Em setembro de 2011, do Rio de Janeiro, acompanhei muito o que acontecia no Occupy Wall Street, em Nova Iorque, via inúmeras transmissões ao vivo. A partir daquele momento eu comecei a pesquisar essa nova mídia popular que ganharia as ruas e redes brasileiras com muita força em junho de 2013. Durante as jornadas de junho, no Rio de Janeiro, ocorreu uma explosão de indivíduos usando transmissões ao vivo para garantir direitos com provas geradas e compartilhadas na hora durante manifestações, ocupações, reintegrações de posse e tantas outras situações de violações de direitos. E foi justamente por conta disso que eu comecei a transmitir – para ter o material de qualquer abuso policial salvo na rede e evitar qualquer perda de prova caso a polícia pegasse meus equipamentos de gravação. Após duas transmissões com apenas alguns amigos e familiares preocupados assistindo eu entrei para o coletivo de mídia Rio na Rua e as minhas transmissões foram ganhando um formato e uma estrutura mais profissional. A minha pesquisa pessoal de como essa ferramenta poderia ser melhor utilizada também foi se aprofundando à medida que o coletivo ia melhorando sua estrutura e seu alcance de público.

Por conta desse aprendizado no Rio na Rua, durante as Olimpíadas Rio 2016, fui convidada pela WITNESS a participar como consultora no projeto Mobil-Eyes Us testando como podemos levar audiências e “testemunhas distantes” para as transmissões ao vivo, proporcionar-lhes um bom contexto e tradução e oferecer formas significativas de agir. Você pode conferir as transmissões que fizemos na Vila Autódromo, na Penha e no Boulevard Olímpico na ação #FomeDeViver durante a primeira fase do piloto. Na época, o aplicativo era um conceito mais abstrato em termos de desenvolvimento tecnológico. Nós fornecíamos tradução e contexto tanto direto na caixa de comentários das transmissões quanto in loco ao lado do ativista fazendo a transmissão. Foi também quando testamos um sistema de notificações via SMS – que mais tarde seria incorporado às notificações dentro do aplicativo – com action tags indicados com o símbolo ^ (ou marcadores de ação, numa tradução livre) que convidavam testemunhas distantes a compartilharem com ^makevisible, estarem presentes com ^bepresent e tomarem ação com ^translate, ^context entre outras formas de estar co-presente.

No vídeo, um trecho de uma transmissão na Vila Autódromo com tradução remota ao vivo no Periscope com a colaboração de uma aliada.

Desde então, tenho monitorado e analisado vídeos ao vivo produzidos por comunicadores populares cariocas. Foram mais de 100 transmissões estudadas para, durante esse processo, aprender mais sobre transmissões ao vivo como potência de criação de novas redes, assim como o fortalecimento das já existentes, criando impacto on e offline. Essa análise também gerou um relatório com contexto para cada caso que foi apresentado ao Facebook apontando o que estava sendo produzido no Rio de Janeiro dentro da plataforma e o que eles poderiam fazer melhor em tecnologia para apoiar esses e tantos outros ativistas. Abordaremos isso mais a fundo numa outra publicação futura onde o Sam Gregory, diretor da WITNESS, vai detalhar como foi o processo de engajar empresas de tecnologia durante essa iniciativa.

Nesse processo dividimos as análises dessas transmissões em cinco categorias a serem compartilhadas em publicações separadas como parte dessa série:

  • convocatória;
  • cobertura de uma marcha solidária;
  • transmissão de uma ação planejada;
  • transmissão com denúncia de violação de direitos;
  • transmissão de longa duração

Uma parte fundamental do Mobil-Eyes Us é contar com uma rede colaborativa capaz de fazer uma curadoria de uma narrativa mais complexa. Durante esse processo acompanhamos de perto campanhas do Coletivo Papo Reto, no Complexo do Alemão (zona Norte do Rio de Janeiro), dando contexto e traduzindo ações planejadas – como no caso da chamada de licitação para a obra de construção de moradias no terreno conhecido como Favela da Skol, localizada no Complexo do Alemão que vínhamos acompanhando desde as Olimpíadas – e campanhas emergenciais como no caso das invasões das casas na Praça do Samba. A partir das análises desses casos ficou clara a existência de uma já existente rede de apoio entre ativistas comunitários de diferentes territórios do Rio de Janeiro. E como um dos objetivos da iniciativa é fortalecer as possibilidades de troca da rede de apoio existente entre ativistas da linha de frente e testemunhas distantes começamos a monitorar de perto a troca feita entre ativistas como Gizele Martins do Complexo da Maré; Buba Aguiar do Coletivo Fala Akari da favela de Acari; Fransérgio Goulart do Centro de Direitos Humanos da Diocese de Nova Iguaçu; Allex Leko; Mc Martina e Mc Al Neg do coletivo Poetas Favelados; Mariluce Souza do FavelART (todos do Complexo do Alemão) e ANF – Agência de Notícias das Favelas.

Dessa pesquisa e análise desenvolvemos também uma oficina sobre transmissão que analisa e discute a transmissão ao vivo como ferramenta não só do ponto de vista de quem produz, ou tem interesse em aprender como produzir um vídeo ao vivo, mas também do ponto de vista de quem assiste – tanto no sentido de espectador quanto no sentido de assistente – impulsionando assim uma cultura de apoio e troca entre ativistas da linha de frente e todos os tipos de testemunhas distantes com a preocupação de  entender as necessidades, habilidades e disponibilidades de cada um, assim como fazendo proveito de técnicas e dicas eficazes que colaboram em ações de impacto.

Na próxima publicação iremos detalhar as estratégias e técnicas usadas com sucesso por ativistas da linha de frente a partir da análise de 3 transmissões ao vivo na categoria convocatória. Do enquadramento escolhido às dinâmicas de comunicação com a platéia entenderemos como produzir uma transmissão de impacto não só enquanto ao vivo mas também posteriormente, potencializando compartilhamento, alcance e ações.

No dia 26 de Janeiro na Casa Jimmy no Catete, participe de uma rodada de conversas e apresentações com STREAMERS que usam o LIVE para denunciar violência policial nas favelas e saber mais sobre a campanha contra operações policiais em horário escolar em favelas do Rio de Janeiro. Além do lançamento da versão alfa da plataforma Mobil Eyes Us – MEU, para apoiar o uso do vídeo ao vivo na defesa de direitos. Siga a Witness Português no Facebook para acompanhar de perto, envie um e-mail para live+brasil@witness.org.