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[América Latina e Caribe] Celulares e Câmeras para denunciar a violência de estado

Vito Ribeiro – Witness Brasil

Final de ano tenso ao sul do continente americano, com golpes de estado, protestos massivos, levantamento popular e muita violência por parte das polícias e forças armadas

Equador, Chile, Bolívia, Colômbia, Peru e Haití foram / e estão sendo, palcos constantes de protestos massivos por parte de movimentos sociais, indígenas, sindicatos e estudantes, que sacudiram o continente neste finzinho de ano. 

Com cenários específicos em cada região, porém semelhantes estruturalmente, a população desses países se levantou contra governos tiranos, aumento do custo de transporte, golpes de estado, denúncias de corrupção, mega-projetos extrativistas, e colocou milhões de pessoas nas ruas de diversas cidades, tensionando os pilares do poder, e resgatando demandas sociais históricas do povo.

Em geral o pacote de reação dos governos foi basicamente o mesmo: decretar estado de emergência, toque de recolher, criminalizar os movimentos sociais acusando-os de terrorismo, e aplicar uma verdadeira política de extermínio dos manifestantes, sob a desculpa de “contenção de distúrbio”. Deixando milhares de detidos, cegos, feridos e mortos, em um amplo emprego de armamento letal e “não-letal”, aparatos de guerra, blindados, drones e tecnologia de controle de informação. 

Os números são alarmantes se somamos todos os eventos em diferentes países, considerando sempre que essa documentação de dados sofre com a ocultação e manipulação de informações por parte das polícias e órgãos públicos. Por isso organizações de direitos humanos locais e internacionais tem resistido para verificar e denunciar diariamente, atualizando os dados sobre as vítimas da violência policial e militar.

Só no Chile por exemplo, o Instituto Nacional de Direitos Humanos – INDH confirmou recentemente: 2.808 pessoas feridas e 79 denúncias por violência sexual, além de 232 casos de perda de globo ocular por disparos de balas de borracha e estilhaços de bombas de gás lacrimogêneo. E também 7.259 pessoas detidas, entre os quais 867 são adolescentes.

A imprensa mainstream em geral cumpriu seu papel fazendo vista grossa a todos esse números e ignorando sistematicamente casos de mortes, sequestros, abusos sexuais, invasões de domicílio, flagrantes forjados, e tantas outras violações de direitos que foram pouco a pouco emergindo das sombras da desinformação.


Celulares e Câmeras a Serviço dos Movimentos 

Enquanto a imprensa fingia não ver, no meio das multidões estavam diversas câmeras e celulares sustentados por coletivos de mídia independente, fotógrafos autônomos e cidadãos corajosos e engajados a usar a comunicação nas redes sociais para romper o cerco midiático imposto pelo poder e pela mídia.

A quantidade de vídeos postados diariamente em todas as plataformas sociais é impressionante e deixa evidente a capacidade de comunicação e o impacto que o cidadão pode gerar com seu próprio celular. 

Chile: Manifestante atropelado diversas vezes por motocicletas de carabineros é filmado por celulares em Santiago

Praticamente tudo que se soube desses países nos últimos meses, foi produzido por um celular ou uma câmera na mão de um cinegrafista independente ou um manifestante com o impulso de tirar o aparelho do bolso e filmar. E é justamente por isso que governos e partidos de diversos países, incluindo o Brasil, discutem a implementação de leis que proíbam o povo de filmar policiais e militares em ação. 

Equador: manifestante recebe um disparo de fuzil na cabeça diante dos celulares transmitindo ao vivo.

 

Alegando que a prática da filmagem atrapalha a ação dos agentes, o que seria cômico se não fosse trágico, tendo em conta que atrapalhar nesse caso seria: “registrar em vídeos os abusos policiais e crimes cometidos pelo estado contra sua própria população desarmada”.

Dylan Cruz – Colômbia

Na Colombia o jovem de 18 anos Dylan Cruz nao resistiu ao impacto de uma bomba disparada contra sua cabeça por um agente do ESMAD (que é o batalhão de choque colombiano). Imediatamente após o impacto Dylan caiu no chão inconsciente, pois um pedaço do projétil se alojou na parte de trás de sua cabeça. A notícia da morte de Dylan foi dada na segunda-feira (25) e deixou o país inteiro indignado com mais essa vítima da polícia. Assim como outros casos, Dylan foi vitimado pela polícia diante de diversas câmeras e celulares.

O que coloca ainda mais intensidade à discussão que precisamos fazer enquanto sociedade: Qual o papel da vigilância cidadã em casos de ataques deliberados das forças policiais contra sua população desarmada. Como assegurar que o direito à documentação seja mantido e não transforme os comunicadores e cidadãos que filmam ocasionalmente, na mira das bombas e balas.

O risco de um apagão midiático e informativo é gravíssimo, por que se somado aos decretos de “excludentes de ilicitude”, “estado de exceção”, “toque de recolher” e “garantia da lei e da ordem” – que na prática dão às forças militares o direito de matar em situação de “crise social” – pode significar para os movimentos sociais perder uma importante batalha na última linha de defesa dos direitos humanos – de documentar, reportar e denunciar as violações pelas redes sociais.  

É preciso que movimentos, organizações sociais e defensores de direitos do mundo todo despertem para o risco de surgirem precedentes legais que retirem o direito do povo de filmar as forças militares em ação. Para além de cercear frontalmente o direito universal à liberdade de expressão, será o ambiente obscuro perfeito para que a violência e as mortes aconteçam nas sombras da democracia.

Atualização – 13:34h

Apenas finalizávamos o artigo e chegou esta informação: de que Miguel Moya Diez Miguel se encontra detido por reportar como fotógrafo as manifestações em Valparaíso, Chile. Foi detido ontem (26) por volta das 17:40 na Av. Argentina com San José. Movimentos locais e familiares solicitam imagens que possam ajudar a comprovar a atuação profissional de Miguel no momento de sua detenção.