Estudantes levam governo de SP à CIDH por violência policial

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Em outubro do ano passado acompanhei, encantada, as imagens de estudantes secundaristas ocupando suas escolas em São Paulo para protestar contra a “reestruturação escolar” que havia anunciada inesperadamente pelo governador. O plano, construído sem diálogo ou participação dos estudantes, ameaçava prejudicar mais de 300.000 alunos da rede pública de ensino e fechar pelo menos 94 escolas pelo estado.

O que começou com uma escola em São Paulo cresceu e virou uma linda onda de resistência popular com estudantes saindo às ruas em diferentes cidades e se levantando para ocupar mais de 200 escolas públicas em todo o estado.  À medida que as ocupações cresciam, os estudantes compartilhavam vídeos no Facebook para se solidarizar uns com os outros e usavam o WhatsApp para circular um manual de 8 páginas chamado Como Ocupar um Colégio, criado com base em materiais feitos por estudantes chilenos durante a Revolução Pinguim.

A reinvindicação era simples: que os estudantes fossem incluídos no processo de tomada de decisões e que uma consulta pública fosse realizada com pais e alunos antes da implementação de qualquer “reestruturação”.

A resposta do governo para os protestos pacíficos dos estudantes foi desastrosa. Primeiro, a Polícia Militar –armada com rifles– cercou as escolas ocupadas, resultando em ameaças, agressões e violência contra os estudantes. Depois, o governo chamou uma reunião com apoiadores para detalhar uma “estratégia de guerra” para combater e desqualificar os alunos (numa conversa a portas fechadas que vazou para jornalistas).

Os estudantes se defenderam com seus celulares e câmeras, usando vídeos para registrar a natureza pacífica de seus protestos, incentivar outros estudantes a lutar por suas escolas e aderir ao movimento e gravar provas inegáveis de terror e abuso policial.  Eles também educavam os grandes veículos da imprensa sempre que necessário, como neste vídeo que sempre me faz sorrir!

A mobilização dos estudantes resultou em duas vitórias importantes: a renúncia do secretário de Educação de São Paulo (e arquiteto da restruturação) e a suspensão da própria reestruturação (depois reafirmada pela Justiça).  E depois que o governador prometeu incluir os estudantes na discussão sobre outras alternativas em 2016, os estudantes concordaram em deixar as ocupações.

Mas ninguém foi responsabilizado pela violência sofrida por estudantes, pais e jornalistas pelas mãos da polícia, então os estudantes e o Comitê de Mães e Pais em Luta uniram forças com advogados para juntar todas as denúncias num dossiê de 80 páginas.  Depois, eles fizeram uma parceria com a Artigo 19 para pedir uma audiência temática na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).  Quando o pedido foi aceito pela CIDH, os estudantes organizaram uma campanha de financiamento colaborativo para financiar as despesas de viagem e, no início de abril, eles chegaram a Washington DC para trazer o caso à Comissão.

Essas audiências não são costumam ser muito emocionantes, mas dessa vez foi diferente.  Os estudantes abriram sua apresentação com um vídeo que usou imagens irrefutáveis para contrastar o discurso do governador sobre a excelente conduta da polícia com a realidade das imagens de estudantes sendo espancados e agredidos. Foi assim:

Depois do vídeo, eles falaram sobre as suas experiências em primeira mão, incluindo uma mãe do Comitê que contou, emocionada, o desespero de ver seu filho sendo agredido e preso ao vivo na TV simplesmente porque ele participava de um protesto.

O governo de São Paulo, representado pelo Procurador Geral do Estado, Elival da Silva Ramos, falou em seguida. Ele mostrou slides de uma apresentação de powerpoint que ostentava a formação que a polícia recebe em direitos humanos e disse que a falta de diálogo com os estudantes era algo “subjetivo”.  Sentada na plateia, foi difícil manter a compostura.

Mas suas palavras não tinham a menor chance diante dos depoimentos dos estudantes e os vídeos que eles mostraram.

Por isso, quando foi a vez da Comissão falar, algo muito especial aconteceu.  Usando uma linguagem bastante direta (o que é raro), a Comissão confrontou o estado com contundência: “não teria sido melhor conversar com os jovens, em vez de enviar armas e policiais armados?  Quais ações foram tomadas para responsabilizar os (policiais) responsáveis pela violência?  Você precisa lembrar que todos os seus agentes, em todos os momentos, têm o dever de agir no melhor interesse dos seus jovens.”

A validação vinda da Comissão foi bonita de ver, e os estudantes deixaram a audiência energizados e se sentindo ouvidos. No Brasil, muitos estudantes se reuniram para assistir ao livestream da audiência juntos.  E na mesma noite, muitos outros ficaram sabendo sobre a vitória na Comissão com a cobertura de veículos como a BBC Brasil, Le Monde Diplomatique, Opera Mundi, entre outros.

Nós tínhamos uma oficina marcada com os alunos depois da audiência, o plano original era falar sobre como os estudantes usaram vídeos para fortalecer a luta nas ocupações e compartilhar dicas de como filmar a polícia com segurança e para fins de advocacy e produção de provas. Mas a audiência foi tão maravilhosa que decidimos adiar esse plano e reprogramar a nossa oficina para criarmos um vídeo juntos.  Queríamos produzir um vídeo que destacasse os principais momentos da audiência e desse espaço para os estudantes comentarem o que não conseguiram dizer no tempo curto da audiência.  Juntos, bolamos Os 4 vexames do governo de São Paulo na Comissão – assistam:

Os estudantes vão usar esse vídeo para continuar pautando a discussão sobre violência policial e também seguir pressionando o governo por melhorias no sistema de ensino.  O exemplo deles já está despertando novas ondas de ocupações escolares que estão começando despontar em estados como o Rio de Janeiro, Goiás, Pará e Rio Grande do Sul.  Voa juventude!