Blog

Acampamento Terra Livre: a comunicação indígena como ferramenta de luta e resistência

A maior mobilização indígena do país reforça a importância dos povos indígenas enquanto protagonistas de suas próprias narrativas

O ATL (Acampamento Terra Livre) aconteceu na última semana de abril deste ano e teve como tema “O futuro indígena é hoje – sem demarcação não há democracia!”. Em sua 19ª edição, o evento reuniu cerca de seis mil indígenas em Brasília para abordar a defesa de territórios, a importância da comunicação, o papel da juventude indígena, a participação política, a luta de indígenas LGBTQIA+, o enfrentamento das emergências climáticas, dentre outros temas.

Ao longo de uma semana, foram realizadas plenárias, cineclubes, atividades culturais, rodas de conversa e marchas que tiveram como objetivo chamar a atenção para pautas históricas dos movimentos indígenas e também realizar reuniões no Congresso. Uma demanda urgente levantada no acampamento é em relação ao Marco Temporal, que dificulta a demarcação das Terras Indígenas, e que está em julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) esta semana.

O evento também contou com a presença de defensores de direitos humanos, políticos e ativistas, como as equipes WITNESS Brasil e EUA, que participaram da cobertura colaborativa e realizaram workshops.

Durante o ATL, seis territórios indígenas foram homologados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que esteve presente em seu encerramento. Outro ponto marcante foi o decreto da emergência climática, que culminou em uma marcha e um documento onde os povos indígenas destacaram seu papel no combate ao aquecimento global.

Marcha pela Emergência Climática no ATL

Comunicação colaborativa

Toda a comunicação do ATL é feita de forma coletiva e liderada por comunicadores indígenas que se organizam em frentes e organizações, como a comunicação colaborativa, a assessoria e a metodologia implementada.

“Em uma grande mobilização como o ATL, onde ocupamos vários espaços, também somos os protagonistas na comunicação, e isso é muito importante”, explica Samela Sateré-Mawé, coordenadora de comunicação do ATL e comunicadora da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).

Para ela, o maior desafio é tentar conciliar muitos tipos de comunicação e desmistificar e ensinar os veículos de grandes mídias a falarem corretamente sobre os povos indígenas, seus territórios, cosmologias e visão.

“A gente cansou de ver a nossa narrativa sendo feita de forma errônea pelos grandes veículos de comunicação, então a gente se apropriou da internet e das mídias sociais para pautar as nossas lutas, as nossas causas, denunciar, desmistificar e decolonizar várias questões relacionadas aos nossos povos, destaca.

Samela Sateré-Mawé durante plenária de comunicação

Demarcar as telas

Luan de Castro Tremembé, responsável pela assessoria de imprensa do ATL, explica que o principal objetivo da comunicação é fortalecer a luta e a resistência dos povos indígenas do Brasil. Por isso, se fala em “demarcar as telas”, que é o entendimento de que o lugar dos povos indígenas é para além da terra, é para além do território. E é a ideia de que também o território é a internet, as redes sociais.

“E estamos demarcando esses espaços, temos comunicadores indígenas em todos os espaços. A comunicação indígena tem avançado de forma muito significativa. Apesar dos desafios, desde ter internet de qualidade e equipamentos, estamos conseguindo fazer uma comunicação muito fortalecida”, afirma.

Samela conta que desde a pandemia, quando precisaram se organizar online e realizar o ATL, perceberam o quanto era importante, além de demarcar os territórios, demarcar telas. E durante as mobilizações, ocupam as redes, conseguem pautar todas as suas questões, falar sobre sua cultura, língua e identidade.

“O celular é uma arma. Uma ferramenta de luta e resistência.Coisas que não são faladas nas escolas, nos meios de comunicação, a gente consegue falar para as pessoas enquanto protagonistas das nossas narrativas. E conseguimos alcançar espaços como a casa das pessoas, que antes a gente não conseguia”, destaca.

WITNESS no ATL

Durante o ATL, as equipes WITNESS Brasil e Estados Unidos conduziram duas oficinas de vídeos curtos que contaram com a participação de cerca de 20 indígenas de diferentes etnias interessados em usar o vídeo para contar a história de seu povo. Também foi produzido um material para distribuir ideias e sugestões no enquadramento narrativo de vídeos curtos e como filmá-los.

As oficinas visavam à criação de formatos de vídeo que pudessem ser rapidamente divulgados por meio de plataformas de mídia social. Durante o ATL, os participantes puderam filmar, fazer entrevistas e pré-edição de vídeos, bem como compartilhá-los nas redes sociais.

Bruno Pedrotti, participante da oficina e integrante do coletivo de comunicação Catarse, que defende os territórios indígenas no sul do Brasil, destacou que a importância do direito de filmar foi reafirmada no ATL. “Os vídeos produzidos pelo Catarse e outros comunicadores são fontes importantes de denúncias de violações para o avanço da retomada de terras indígenas”, afirma.

Oficina de vídeo durante o ATL

 

Texto em inglês disponível aqui