Cobrindo protestos com câmeras 360°

A câmera 360° permite que você registre todos acontecimentos ao redor do equipamento, mesmo quando nem se deu conta de que eles estão acontecendo.

Era dia 2 de setembro e eu me preparava para cobrir um protesto que iria acontecer no centro da cidade do Rio de Janeiro.  Como de praxe, estava organizando equipamentos, recarregando baterias, checando data, hora da câmera e cartões de memória.  2016-10-26-09-58-21Ali pousada na mesa ao lado, estava uma câmera pequena e estreita, com uma lente na frente e outra atrás.  SIM!!  Uma câmera 360°!!  Ainda não havia usado a Ricoh Theta Cam, que me emprestou a equipe da WITNESS de NYC em sua última passagem pelo Rio.

Usei a câmera Ricoh encaixada na sapata de flash da minha DSLR Canon e comecei a gravar o protesto. Como era a primeira vez que usava este equipamento não fazia ideia de como pode ser uma ferramenta potente para a cobertura de protestos e documentação de violência policial.

Toda vez que a polícia formava um círculo em volta dos manifestantes para efetuar uma revista, eu aperta o REC da câmera.

Nessas situações as câmeras em geral ocupam um papel fundamental, por que muitas vezes são elas que registram abusos de poder e ilegalidades durante esses procedimentos.  Em alguns casos em manifestações, durante uma revista policial a um grupo, outros policiais agridem com cacetetes ou spray de pimenta, os videografistas e comunicadores que tentam acompanhar a abordagem. E nesse caso a câmera 360° é muito eficiente, porque grava toda a “periferia” de visão do videografista. Todos os “quadros” que nossos olhos são incapazes de enxergar ao mesmo tempo, estará seguramente registrado pelas lentes deste equipamento.

 

O protesto marchou pelas ruas do centro do Rio e ao final cerca de 50 pessoas seguiram se manifestando até o bairro da Lapa.  Foi neste momento que a polícia decidiu atacar e dispersar o protesto.  Na tensão e correria, muitos carros e ônibus buzinavam no engarrafamento que se formava, e eu me aproximava do grupo que era agredido com cacetetes pela polícia, com minhas câmeras em punho e gravando.

Nesse hora algum objeto desconhecido atingiu a lente da minha DSLR e seguiu voando para o outro lado.  Na hora me assustei mas nem consegui me dar conta do que se tratava, e segui filmando e tentando me proteger das cacetadas da polícia. O protesto acabou com duas pessoas feridas e atendidas por pára-médicos e nenhum detido.

Quando cheguei no escritório ansioso para descarregar as imagens, me meti em tutoriais para compreender o workflow de descarregar, editar, exportar, converter e inserir metadados, para que o vídeo feito com a 360 seja identificado pelas plataformas online como YouTube e Facebook e possa ser navegado pelo mouse do expectador. (Breve posto um passo a passo aqui).

A Copada Na Lente

Minha surpresa foi inicialmente descobrir que o objeto que voou em minha direção e atingiu minha lente – sem danos – era um copo de vidro que foi lançado de um bar que fica nas calçadas da Lapa.  Passei alguns minutos vendo e revendo o vídeo, mudando de ângulo, olhando minha reação, a trajetória do copo e sobretudo analisando a vulnerabilidade que também temos nós comunicadores quando estamos cobrindo essas situações. Principalmente quando nesse dia você está sem seu capacete 🙁

Stitched Video – A “Copada” na Lente

A câmera 360 também permite que você gere um “stitched video”, que é uma imagem deformada e um pouco estranha, e muito curiosa, por que agrega no mesmo quadro do vídeo todos os ângulos que a câmera consegue captar. E você ao final consegue ver quase todo o ambiente 360 em um só quadro.  Compare a diferença do stitched video acima com o 360° abaixo.

Prós e Contras

Considerando que quando estamos gravando para direitos humanos precisamos muitas vezes de total controle do que focalizamos com nossas câmeras, principalmente em questões de segurança das pessoas que são gravadas, a 360° traz a reflexão sobre como preservar situações que não queremos que estejam no vídeo.  Cujos aprendizados seguiremos compartilhando por aqui em outros posts.

Claro, como sempre dizemos, a preparação e o plano de gravação vai efetivamente minimizar os problemas na hora de filmar, saber o que filmar e como ajudar a evitar surpresas indesejadas, e no caso da 360° não é diferente.  É preciso ter sempre em mente a capacidade de “visão” da câmera 360 e estar atento a tudo que passa ao redor do equipamento.

Para registro de violência policial nos protestos se mostra como uma ferramenta super importante, sobretudo por que consegue garantir dentro do mesmo arquivo todo o “contexto” da situação. Uma cena destacada poderá sempre ser referenciada a seu “contexto em 360°”.

Também nos serve muito, comunicadores e videografistas que atuamos em situações de risco, para refletirmos sobre segurança e como nos posicionamos em situações extremas de tensão e ataques. Nesse caso me serviu para nunca mais sair pra trabalhar sem o capacete.

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Sempre dizemos que a polícia se comporta diferente na frente das câmeras. Acho que terão que se cuidar com o que fazem atrás delas também.