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Filmar não é crime

Vídeo de um turista no Rio de Janeiro, que registra abordagem da Guarda Municipal por acaso, reacende o debate sobre o direito de filmar e os protocolos policiais em relação aos celulares

Imagine que você está filmando com seu celular enquanto caminha com seus amigos, visitando uma praia no Rio de Janeiro. De repente, você encontra um grupo de Guardas Municipais revistando um jovem sentado no chão, e vira seu celular para essa situação. Imediatamente um guarda lhe aborda e diz que vai apreender seu celular, porque ele é uma prova da ação realizada e que você imediatamente passa a ser testemunha do que está acontecendo, e também será conduzido à delegacia.

Aí você olha ao redor e descobre que além de você, tem outras dezenas de pessoas testemunhando a ação, e se pergunta: porque eu?

-Por que você estava filmando!!! Óbvio!

Mas quem disse que filmar é ilegal? Quem disse que a polícia pode conduzir você e seu celular coercitivamente?

Nesta semana um vídeo está viralizando nas redes sociais no Rio de Janeiro, e tem repercutido em canais da impressa e páginas de organizações de direitos humanos. Ele mostra a situação relatada acima, que ao final acaba em abuso de autoridade, violência, apreensão ilegal do celular e condução à delegacia.

Clique na imagem para assistir o vídeo que compartilhamos em nossa página do Facebook

veja o video clicando na imagem

Esta prática por parte da polícia militar e da guarda municipal tem se tornado comum, mesmo sendo ilegal, não prevista nos protocolos oficiais da conduta policial e contrária ao que diz a constituição (veja abaixo).

Segundo o advogado e coordenador do Defezap, Guilherme Pimentel, o vídeo já foi encaminhado para a Defensoria Pública do Estado que está preparando uma ação para solicitar informações sobre o controle da ação policial.

“Nós encaminhamos o vídeo para a Defensoria, para subsidiar uma possível ação para que a justiça determine o fim desse tipo de conduta. Além disso enviamos ao Ministério Público para que exerçam o controle de legalidade da ação da guarda municipal e também o controle externo da polícia civil. Visto que quando o homem quis fazer a ocorrência de abuso de autoridade, pela condução coercitiva indevida, o escrivão não quis realizar o registro”.

Comentou Guilherme que trabalha na plataforma Defezap, de recebimento e encaminhamento de denúncias em vídeo de abuso de autoridade e violência policial.

Se é assim no cartão postal, imagina na favela

Essa situação ocorreu na orla turística da cidade, com um turista em visita por um dos cartões portais mais importantes do Rio de Janeiro.

Mas nas favelas, a violência e as ilegalidades são muito maiores com os diversos jovens e integrantes de coletivos de comunicação que documentam a ação policial. São diversos relatos em que jovens tem seus celulares vasculhados pela polícia, ou que são obrigados a apagar vídeos gravados, ou mesmo tem seus chats de WhatsApp violados por agentes públicos.

Como os aparelhos de celulares se tornaram ferramenta fundamental de vigilância e denúncia da presença do estado em favelas e áreas militarizadas, a polícia frequentemente tem criminalizado, ameaçado e atacado jovens que empunham bravamente seus aparelhos para defender os direitos do povo e denunciar as ilegalidades em seus bairros.

A repercussão de imagens gravadas por moradores com seus celulares são comumente usadas na justiça e em alguns casos podem responsabilizar policiais e até comandantes por crimes cometidos em favelas. Como foi o exemplo do caso das invasões às casas de moradores no Complexo do Alemão pela polícia militar. Veja aqui.

O Direito de Filmar

Convém lembrar o que diz a Constituição Federal: Filmar e fotografar é um direito garantido a todo cidadão brasileiro ou residente no Brasil, em todo o território nacional (art. 5o, IV, VIII e IX e art. 220, §2o da CF). Está garantido que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição”.

Assim, todo cidadão tem o direito de filmar o que quiser em espaços públicos, em especial em momentos de interesse de toda a sociedade, que tem direito à informação (art. 5o, XIV, da CF). Nesse contexto, é certo que o direito à informação abarca inclusive identificações de policiais, viaturas, armas ou qualquer outra coisa de interesse público. A CF também garante a “liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social” (disposto no art. 5o, IV, V, X, XIII e XIV).

Considerando que o policial representa um funcionário público em exercí- cio de funções de interesse público, aplica-se o princípio da transparência e afasta-se a argumentação de defesa da honra e privacidade.

Nenhum policial tem poder para determinar que se desligue uma câmera – uma ordem nesse sentido poderia ser considerada abuso de autoridade (art. 3o, “j” da Lei 4.898/65).

É preciso sempre fazer análises de segurança sobre onde e como filmar, considerando as possíveis repercussões para quem filma e para as pessoas que são gravadas no vídeo.

Informações extraídas da cartilha Como Filmar Violência Policial Em Protestos elaborada pela WITNESS Brasil em parceria com a organização de defesa do direito à comunicação – Artigo 19.

Visite o site http://artigo.org para mais informações sobre o direito de filmar e proteção a comunicadores e defensores de direitos humanos.