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Pesquisa da Witness aponta desafios e oportunidades para a preservação audiovisual

 

Texto original escrito por Yvone Ng e Ines Aisengart Menezes, tradução e adaptação de Jéssica Ribeiro

Uma parte fundamental do trabalho da WITNESS é ajudar ativistas a arquivar e a preservar seus vídeos para que possam ser usados ​​para promover ações em defesa dos direitos humanos. Ao longo dos anos, temos ouvido consistentemente de parceiros e colegas sobre o desafio de incluir a preservação audiovisual entre as suas atividades, e que nossas orientações, como o Guia de Ativistas para Arquivamento de Vídeos, têm sido recursos importantes.

Por conta disso, lançamos uma pesquisa global para perguntar a ativistas, movimentos sociais, organizações, coletivos e pessoas defensoras de direitos humanos sobre suas necessidades e práticas de preservação audiovisual. O objetivo é compreender os desafios atuais e ter informações para oferecer orientações mais adequadas. 

Com o apoio da nossa equipe de comunicação regional, estamos entendendo melhor as especificidades e desafios de diferentes localidades. A pesquisa segue aberta (clique aqui para participar), e já teve a contribuição de 28 pessoas que destacaram seus aprendizados e desafios para a preservação audiovisual

Abaixo, está um resumo das informações que recebemos até o momento: 

Quem participou da pesquisa e o que essa pessoa está criando ou coletando?

Todas as pessoas que participaram coletam materiais audiovisuais em uma ampla variedade de formatos e tipos, como vídeo, áudio, fotografias, mídias sociais, entrevistas, transmissões ao vivo e mensagens instantâneas. Alguns participantes também criam seus próprios materiais audiovisuais.

Uma gama muito diversificada de questões de direitos humanos está representada nos materiais coletados, incluindo meios de comunicação sobre a defesa da água e dos territórios indígenas, violações no contexto de mobilizações sociais e protestos, depoimentos de pessoas detidas e presas, entrevistas sobre encarceramento em massa, pena de morte, dentre outros tópicos.

Quase todas as pessoas pretendem que as suas coleções sejam utilizadas como prova documental de violações dos direitos humanos para uma variedade de fins inter-relacionados, que incluem:

  • Promover a justiça restaurativa e transformadora;
  • Promover a responsabilização;
  • Apoiar ações legais e campanhas de defesa de direitos;
  • Permitir a resistência criativa;
  • Preservar a memória;
  • Amplificar as vozes das vítimas e sobreviventes, trazer visibilidade às suas histórias e lutas, e
  • envolver o público em conversas sobre direitos humanos e justiça.

Desafio 1: Prioridades e Orçamento/Capacidade

“Nosso maior desafio está relacionado a custo e tempo. Dada a necessidade de priorizar o trabalho remunerado para a sobrevivência dos cooperados e da cooperativa, normalmente não temos o tempo necessário para organizar adequadamente o nosso acervo.” (Coletivo Catarse)

De longe, o desafio mais significativo citado é a falta de orçamento e de tempo devido a prioridades concorrentes. Na maior parte dos casos, as pessoas criam, coletam e arquivam como uma pequena parte do trabalho que realizam para atingir objetivos mais amplos de defesa dos direitos humanos. Esses arquivos são pequenos e/ou administrados por voluntários e não possuem orçamento ou membros de equipe exclusivamente dedicados à preservação. A coleta geralmente é contínua, então as “pendências” se acumulam com o tempo. Algumas pessoas indicaram que se sentem sobrecarregadas e não têm tempo suficiente para lidar com os seus arquivos. Outras também comentaram que precisam priorizar o seu trabalho remunerado.

Desafio 2: Capacidade e Organização de Armazenamento

“Estamos registrando e publicando desde 2004; não excluímos ou eliminamos os registros e, portanto, temos muito material em vários suportes e formatos. Isso gera dificuldades permanentes de falta de espaço, segurança, preservação e organização da documentação.” (Lluvia Comunicación)

A capacidade de armazenamento, juntamente com a desorganização dos arquivos armazenados e a falta de protocolos para gerenciar e utilizar o armazenamento (ou desafios de adesão aos protocolos, se existirem) também são desafios significativos relatados em todas as regiões. As pessoas observam a quantidade de arquivos de vídeos e fotos, grandes em comparação a documentos de texto, que crescem a cada dia, apesar da capacidade de armazenamento finita. Muitas afirmam que as suas coleções estão desorganizadas porque lhes falta tempo, recursos e técnicas para mantê-las adequadamente.

As pessoas relatam que dependem de uma combinação de discos rígidos, armazenamento em nuvem como o Google Drive e telefones celulares para manter suas coleções. O custo é repetidamente citado como uma barreira para a implementação de soluções de armazenamento mais ideais. Para uma das pessoas que respondeu à pesquisa, circunstâncias como as sanções contra o seu país e a necessidade de efetuar pagamentos não rastreáveis ​​tornaram o armazenamento na nuvem uma opção difícil. Internet ruim e o risco de a pessoa ser detectada durante o upload também foram citados como desafios ao uso do armazenamento em nuvem.

Desafio 3: Fornecer acesso

O acesso serve como caminho para chamar atenção e solidariedade aos projetos das pessoas participantes da entrevista. Alguns identificaram que a sua documentação sensível requer proteção contra o acesso não autorizado – em alguns casos, o acesso só é concedido por meio de solicitações diretas com avaliação do solicitante. Apenas algumas pessoas indicaram que podem fornecer por meio de sistemas de bases de dados/repositórios online. Além do acesso direto à documentação, algumas organizações compartilham novos resultados derivados das coleções, como publicações em mídias sociais, contação de histórias em áudio/podcasts, publicações acadêmicas e de mídia popular, exposições e exibições de filmes (seguidas de discussões).

As pessoas têm preocupações éticas significativas sobre o fornecimento de acesso relacionado a conteúdos angustiantes e explícitos, salvaguardando a privacidade das vítimas e garantindo o consentimento. Um documentador indígena destaca o seu compromisso em manter registros apenas dentro da sua comunidade e partilhá-los diretamente com parceiros; no entanto, está preocupado em não conseguir garantir o controle sobre isso.

Desafio 4: Segurança e Proteção

“É necessário haver um armazenamento gratuito, espaçoso e seguro para defensores políticos e de direitos humanos, jornalistas independentes e investigadores que vivem e trabalham em ditaduras, incluindo aqueles isolados devido a sanções (que não permitem pagamentos por serviços de armazenamento).” (Anônimo)

A segurança da documentação em um arquivo de direitos humanos pode ter impacto na segurança de uma comunidade e na sua capacidade de procurar justiça. No entanto, a segurança dos arquivos está diretamente ligada ao financiamento, que é o desafio mais significativo apontado pelas pessoas entrevistadas. As limitações orçamentárias restringem o investimento em sistemas de armazenamento robustos e em medidas abrangentes de cibersegurança para proteger os meios de comunicação contra acesso não autorizado, pirataria informática ou violações de dados. Algumas organizações também relataram dispositivos roubados como um desafio.

As denúncias anônimas permitem que vítimas e testemunhas compartilhem suas experiências sem medo de retaliação, permitindo que as organizações coletem dados completos e, ao mesmo tempo, priorizem sua segurança.

Nos conflitos em curso, quando as autoridades locais podem fiscalizar as organizações comunitárias, o arquivo deve ser seguro e inacessível às forças repressivas. Uma pessoa que participou da pesquisa aponta que está nesta situação e identifica os serviços de nuvem gratuitos mais conhecidos como fáceis de rastrear. Ao mesmo tempo, as opções pagas podem ser também facilmente rastreáveis ou impossíveis de adquirir, devido a sanções financeiras. Assim, essa pessoa descreve a divisão do seu arquivo em várias nuvens gratuitas, o que representa um risco, uma vez que alguns serviços pouco conhecidos podem expirar ou ser bloqueados. Além disso, para diminuir o risco de outros membros da organização revelarem estratégias de armazenamento e senhas, apenas uma pessoa sabe como acessar o arquivo.

Desafio 5: Trauma e Conteúdo Gráfico ou Sensível

“…conteúdo traumático e estresse pós-traumático exacerbado que sofri depois de 2,5 anos gravando e ajudando pessoas nas ruas.” (Soledad Cecilia Peña Muñoz, Defensoría de Derechos Humanos V región, Chile)

Várias pessoas mencionam na pesquisa a natureza gráfica e/ou sensível dos vídeos e imagens das suas coleções, como vídeos perturbadores de brutalidade policial. Elas observam a necessidade de apoio para o seu próprio bem-estar mental e o de sua equipe ao trabalhar com o conteúdo. Soledad Cecilia Peña Muñoz, citada acima, partilha que trabalhar com conteúdos difíceis exacerbou o trauma existente decorrente do seu outro trabalho de ativismo e defesa de direitos. Participantes da pesquisa também expressam preocupação com a revitimização de pessoas nos materiais, a proteção das suas identidades e levantam questões sobre a ética da partilha de conteúdos perturbadores com o público.

Que tipo de orientação ou materiais seriam mais úteis?

As pessoas que participaram da pesquisa até o momento citam a necessidade de materiais gerais sobre a importância dos arquivos de direitos humanos e visões gerais do processo de preservação e das estratégias para arquivar. Formatos úteis de orientação incluiriam cursos, consultas, listas de software para cada etapa da preservação, bem como modelos para catalogação.

Foram nomeados tópicos específicos para os quais a orientação seria útil, tais como:

  • Verificação de dados;
  • Padrões de metadados;
  • Propriedade intelectual;
  • Consentimento;
  • Como diferenciar arquivos originais de cópias;
  • Como criar nomenclaturas;
  • Como documentar, preservar e divulgar conteúdo sensível, como imagens e vídeos traumáticos;
  • Proteger informações confidenciais contra possíveis violações e privacidade, incluindo criptografia e anonimato, além de outras medidas de segurança de dados.

As pessoas também buscaram orientação sobre processos práticos, como fluxos de trabalho de arquivamento colaborativo, compartilhamento de dados entre membros da equipe, otimização da criação de metadados e migração de dados entre plataformas e formatos de armazenamento à medida que a tecnologia evolui.

Quanto ao formato das orientações, os entrevistados afirmam preferir conteúdos transmídia acessíveis via celular, pequenos vídeos tutoriais, arquivos em PDF, pequenos panfletos em formato pequeno para impressão e elementos interativos, como simulações.

Agradecemos a todas as pessoas que dedicaram seu tempo para responder à pesquisa! Com base nas informações valiosas compartilhadas, no próximo ano iremos desenvolver novos recursos para continuar a fornecer orientação relevante para ativistas, movimentos sociais, organizações e coletivos em diversos contextos, e esperamos apoiar e abordar as preocupações levantadas.

Ainda não respondeu à nossa pesquisa? Sinta-se à vontade para compartilhar suas ideias e percepções aqui!

Saiba mais sobre a campanha “#MemóriaAudiovisual: preservação de vídeos para a garantia da memória coletiva”

 

SOBRE AS AUTORAS:

Yvonne Ng é arquivista audiovisual com 15 anos de experiência trabalhando na interseção de direitos humanos, vídeo, tecnologia e arquivos. Como Gerente Sênior do Programa de Arquivos da WITNESS, ela colabora com equipes regionais para apoiar parceiros na preservação de vídeos sobre direitos humanos e desenvolve orientação acessível e materiais de treinamento relacionados ao arquivamento e preservação. Yvonne possui mestrado em arquivamento e preservação de imagens em movimento pela NYU (New York University).

Ines Aisengart Menezes é preservacionista audiovisual. Desde 2022, atua no programa de Arquivos da WITNESS, atualmente como coordenadora. Graduada em Cinema pela UFF (Universidade Federal Fluminense) e mestra em Preservation and Presentation of the Moving Image pela UvA (Universiteit van Amsterdam). Diretora -Técnica da ABPA (Associação Brasileira de Preservação Audiovisual) no biênio 2022-2024. Atua em projetos comunitários de memória e justiça, com foco especial no software livre brasileiro Tainacan.