Brasil: Arquivo Nacional debate Videoativismo

* Por Marco Dreer, fotos de Daniel Saeta

Nos dias 25 e 26 de outubro, aconteceu a segunda edição do evento II Preservação de Vídeo para Milênios no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro.  Desde a primeira edição, o encontro procura abordar a importância do vídeo como ferramenta de registro e, ao mesmo tempo, apontar maneiras com que esses documentos audiovisuais possam ser preservados por um longo prazo.  O evento se deu às vésperas do Dia Mundial do Patrimônio Audiovisual, data firmada pela UNESCO para chamar a atenção pela urgência de se salvaguardar os registros audiovisuais, incluindo o vídeo. iipreservmilenios_01

Fruto de uma parceria entre o Grupo de Planejamento em Preservação do Arquivo Nacional (GPlan) e a Via 78 (empresa especializada em preservação audiovisual), o evento deste ano ampliou o debate para ir além do uso do vídeo por instituições de guarda (como o próprio Arquivo Nacional) e abordar o uso do vídeo em campos mais diversos e plurais como na arte, no ativismo e até mesmo em canais online de futebol.  Além disso, o vídeo figurou não apenas como tema dos debates, mas também como ferramenta de interação com o público por meio de videoconferências por Skype ou pela exibição de vídeos enviados previamente por especialistas do campo audiovisual.

A WITNESS produziu um vídeo para abrir a última mesa do evento, que foi dedicada à discussão do videoativismo.  O curta, ARQUIVE!, fala sobre a importância do arquivamento de vídeo para a luta em prol dos direitos humanos e também oferece dicas básicas para ativistas de como preservar seus arquivos audiovisuais.  Foi um material mais que perfeito como preparação para o debate que viria a seguir, assista:

Depois do vídeo, convidamos dois profissionais bastante atuantes no campo do videoativismo no Brasil: Patrick Granja, do jornal A Nova Democracia, e Victor Ribeiro, da equipe da WITNESS no Brasil.  Ambos procuraram pautar suas falas pela exibição de vídeos nos quais eram exibidos casos de abusos por parte de autoridades policiais.  Em um dos vídeos apresentados pelo Victor, por exemplo, sua câmera registra a detenção violenta e arbitrária de uma ativista pela Polícia em uma manifestação no Rio de Janeiro em 2014 (assista aqui).  O que chama a atenção nas imagens é a preocupação do videografista em registrar a identificação dos policiais presentes na captura, além do número da placa da viatura, tudo por meio de um plano-sequência sem cortes.  São detalhes como esses que, se propriamente registrados, apontam para a potencialidade do vídeo enquanto instrumento de evidência jurídica (mais sobre o que servir para seus vídeos servirem de prova nestes mini-tutoriais da WITNESS). Nesse sentido, Victor sublinhou a importância do registro de metadados consistentes junto às imagens gravadas, uma vez que informações como geolocalização, hora e até mesmo o modelo da câmera podem ser determinantes para tornar o vídeo uma prova de validade jurídica. Se no contexto atual do trabalho de um profissional de arquivo os metadados são algo crucial dentro de uma gestão de dados digitais, no caso dos vídeos ligados a abusos de direitos humanos sua importância se amplia ainda mais. iipreservmilenios_05

Outro tema relevante abordado no debate foi a questão da segurança, sobretudo a dos indivíduos que aparecem nas imagens. Tanto Patrick quanto Victor chamaram a atenção para a necessidade de saber enxergar alguns limites éticos, tentar encontrar meios de proteger identidades de testemunhas, e eventualmente até optar por desligar a câmera – quando há a possibilidade de um registro colocar em risco um determinado indivíduo. Entra aí o protocolo do consentimento informado, que por sua vez traz consigo um desafio relacionado ao próprio arquivamento das imagens. Como poderemos assegurar que as condições estabelecidas no momento de uma gravação serão cumpridas com segurança ao longo dos anos?

Debates como esse, envolvendo a questão do videoativismo, ainda são escassos no Brasil, principalmente nos espaços das instituições públicas. É uma tendência que deveria ser rapidamente revertida, sobretudo no atual contexto político e social de fragilidade do Estado Democrático de Direito no Brasil, o que leva a um recrudescimento de abusos de direitos humanos. Nesse cenário, o vídeo ocupa uma posição fundamental enquanto ferramenta ativa de denúncia de violações de direitos. Isso ficou ainda mais claro a partir das manifestações de 2013, quando os registros mais contundentes partiram justamente das câmeras digitais e dos celulares de videoativistas, ou seja, de profissionais e indivíduos à margem dos grandes monopólios de mídia. E poderia ser papel das instituições públicas brasileiras com expertise em preservação documental proporcionar, em um futuro próximo, maneiras de viabilizar um arquivamento digital de longo prazo desses vídeos, que vêm sendo produzidos em grande quantidade, desde que sejam levadas em conta as potenciais vulnerabilidades dos indivíduos registrados nas imagens.

No saldo final do evento, consideramos essa como sendo talvez a mesa mais instigante de todas, não só pela urgência e importância do tema no atual contexto do país, mas também pelas articulações que estabeleceu com a própria questão da preservação dos registros em vídeo – um tema bastante caro a uma tradicional instituição de guarda como o Arquivo Nacional. Por tudo isso, pretendemos no ano que vem trazer mais uma vez esse debate para uma terceira edição do evento, contando, se possível, com outros atores relevantes, estreitando parcerias com organizações como a WITNESS e tentando expandir as questões envolvendo o videoativismo.

* Marco Dreer, organizador do evento, é especialista em preservação audiovisual (Via 78)