Blog

Acampamento Terra Livre: jovens indígenas utilizam a comunicação como ferramenta de luta

Com internet, câmera ou celular, grupos se organizam para fazer a cobertura colaborativa do evento, denunciar abusos e reivindicar seus direitos

 

O ATL (Acampamento Terra Livre) chegou ao fim no dia 14 de abril, após 10 dias de atividades em Brasília. Segundo dados da Apib (Articulação dos Povos Indígenas), a maior mobilização indígena do Brasil reuniu 8 mil lideranças de 200 povos indígenas de todas as regiões do país.

Este ano, o tema foi “Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política”. Em protestos em defesa da demarcação de seus territórios e contra a agenda anti-indígena do atual governo, os grupos realizaram marchas, plenárias e compartilharam suas vivências.

Na cobertura da mobilização, muitos jovens estavam presentes portando celulares, câmeras e microfones para produzir e disseminar informações. Para Isabella Kariri, estudante de Ciência Política que trabalhou na cobertura do ATL, o evento contribui para que os diversos Povos Indígenas se unam e denunciem o que está acontecendo nos diferentes territórios e também nas cidades. 

“Acho importante esse levante dos indígenas como comunicadores, porque precisamos mostrar a nossa perspectiva da história e não mais o branco contando pela gente o que nós vivenciamos, o que nós passamos”, afirma. 

Erisvan Guajajara, coordenador da Mídia Índia, explica que a comunicação colaborativa do ATL é dividida entre fotógrafos, editores de vídeo, designers e assessoria de imprensa que se falam e se organizam durante todos os dias do acampamento. “A gente está vivendo um momento de muitos retrocessos. Hoje os comunicadores que estão aqui presentes, tanto os indígenas quanto os não indígenas, vêm usando essa comunicação como uma ferramenta de luta”. 

Segundo ele, a cobertura colaborativa é essencial para mostrar o protagonismo dos povos indígenas e sua árdua resistência. “Ocupando as redes e demarcando as telas”, completa. 

Fernanda Mi’saw, que participou do evento pela primeira vez e integrou a equipe de comunicação da APOINME (Articulação dos povos e organizações indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo), explica que quem quer participar de uma cobertura colaborativa precisa se inteirar das pautas e dos termos utilizados. 

“Se você é indígena e quer virar comunicador, o ideal é você soltar a voz e meter a cara. Pega seu celular e conversa com outros parentes que já fazem isso há mais tempo e com o tempo você vai deslanchando”, afirma. 

Cobertura de ato durante o ATL2022

Demandas dos Povos Indígenas

As críticas à política do atual governo federal, que vem promovendo o desmonte de instituições e de programas conquistados pelos Povos Indígenas, estiveram presentes nas mobilizações do encontro. “Como nos tempos da invasão colonial, enfrentamos um declarado plano de morte, etnocídio, ecocídio e genocídio, nunca visto nos últimos 34 anos de Democracia no nosso país”, diz um trecho do documento final do ATL, divulgado pela Apib.

Entre os projetos legislativos relacionados  ao “plano de morte” destacado no documento está o PL 191/2020, que autoriza a mineração, a exploração de petróleo e outros recursos naturais em Terras Indígenas. O texto do projeto teve o pedido de urgência aprovado em março deste ano e pode ser levado para votação em Plenário a qualquer momento, causando grande preocupação para lideranças indígenas. 

No ato do dia 11 de abril do ATL, chamado “Ouro de sangue: marcha contra o garimpo que mata e desmata”, os manifestantes marcharam do acampamento até o prédio do Ministério de Minas e Energia usando lama e tinta vermelha para representar a destruição e a morte causadas pelos garimpos.

Outro tema de destaque nos debates foi o Marco Temporal, tese que está em discussão no STF (Supremo Tribunal Federal) e que estabelece que povos indígenas só podem reivindicar o direito à terra onde já estavam em 5 de outubro de 1988, dia que entrou em vigor a Constituição Brasileira. A medida ignora que povos indígenas já estavam nos territórios antes da criação do estado brasileiro e que muitos desses grupos foram expulsos de suas terras.

Ato “Ouro de sangue: marcha contra o garimpo que mata e desmata” em frente ao Ministério de Minas e Energia

Aldear a política 

Durante as mobilizações, mais de 30 candidaturas indígenas foram lançadas. O projeto Campanha Indígena, realizado pela Apib em parceria com organizações regionais desde 2020, pretende ampliar a representação dos Povos Indígenas nos poderes legislativo e executivo em todo o país.

Em uma agenda especial para discutir o tema no dia 12 de abril, o objetivo foi propor que partidos políticos aliados também assumam um compromisso com as lutas dos povos indígenas e incentivem a filiação de indígenas. 

O ATL acontece anualmente desde 2004 com o objetivo de ocupar a capital do Brasil e ser um espaço de encontro e reivindicação. A mobilização integra as atividades do chamado “Abril indígena”, uma jornada de ações e articulação pela defesa e garantia de direitos dos povos originários.