PROTESTAR. RESISTIR. EXISTIR. #DireitoDeFilmar, Um Pacto Sagrado Para Proteger
Este texto foi escrito por Meghana Bahar, originalmente em inglês, e marca o lançamento oficial da campanha global da WITNESS sobre o direito de filmar.
Texto também disponível em espanhol
A história de Dounya Zayer
Na noite de 29 de maio de 2020, Dounya Zayer, uma ativista, foi a um protesto no Brooklyn, Nova York, em apoio ao movimento Black Lives Matter. O protesto, que começou pacificamente, logo foi invadido por policiais em disparada e manifestantes feridos. Dounya pegou seu telefone e começou a gravar os eventos. Enquanto recuava na direção em que os policiais pediam à multidão para se mover, Dounya foi violentamente jogada no chão por um policial, que também derrubou o telefone de suas mãos. O incidente foi capturado em várias câmeras, inclusive nesta, e se tornou viral. Os vídeos também mostram policiais passando por Dounya, deitada no chão em posição fetal. As gravações acabaram levando à suspensão do oficial D’Andraia. Leia mais da história de Dounya aqui e aqui.
A posição da WITNESS
Quando a WITNESS fala sobre o direito de filmar, estamos nos referindo ao direito de pegar uma câmera ou telefone celular e filmar policiais e militares sem medo de prisão, violência ou outras retaliações.
O direito de filmar nos permite fortalecer a verdade. Sem o direito de filmar, a verdade será diminuída. Temos certeza de que a veracidade do que filmamos é o que prevalece. É isso que nos motiva a continuar protegendo nossa liberdade de filmar.
Como contadores da verdade e construtores de movimentos, nosso trabalho se torna difícil, ou até mesmo impossível, quando a documentação de violações precisa ser feita secretamente, ou quando valiosas evidências são apagadas abruptamente pela aplicação da lei ou retiradas do ar por plataformas de mídia social. Aqui, o direito de gravar torna-se sinônimo do direito de publicar.
O direito de filmar durante protestos
Para muitos defensores comunitários, o exercício regular da liberdade de expressão envolve o uso de um smartphone ou câmera para filmar o que presenciam. Como mostram os protestos em todo o mundo, as pessoas raramente se espalham pelas ruas de seus países de origem sem uma ferramenta para filmar. Na maioria dos casos em que houve graves abusos dos direitos humanos, suas demandas a seus governos são justificadas.
Em alguns países, o direito de filmar está codificado em sistemas legais, enquanto em outros países é expressamente proibido. Seja certificando-se de que as câmeras estão rodando durante as eleições em Uganda, os protestos do movimento Black Lives Matter nos EUA ou durante o #ParoNacional na Colômbia, o direito de filmar ajuda a expor abusos e o uso sistêmico de violência contra manifestantes. Onde o direito de filmar se tornou parte da lei constitucional, ele ajuda a responsabilizar os atores estatais, como evidenciado pelo trabalho do parceiro de longa data da WITNESS no Brasil, Papo Reto.
A frase “Direito de Filmar” refere-se tanto ao direito humano protegido pela lei internacional de direitos humanos (e pelas leis e constituições de muitos países) quanto a todo o conceito de usar o vídeo para expor abusos de direitos humanos e contar histórias. Ambos os conceitos legalistas e de justiça social são importantes: afinal, o “direito” legal não importa se os governos não o respeitam.
Como o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas explicita, o direito de filmar agentes da lei, como policiais e militares, durante protestos e manifestações públicas, universalmente, é protegido pela lei internacional de direitos humanos. Isso vincula diretamente o direito de filmar com a liberdade de reunião.
No entanto, nenhuma proteção legal pode substituir a coragem, a força e os riscos que as comunidades assumem para exercer e se organizar em torno desse direito.
Exercendo o seu direito de filmar
Aqui estão algumas considerações importantes que levam em conta os princípios de segurança:
- Pesquise as leis do seu país. Isso pode ajudar você a tomar decisões mais informadas sobre os riscos que se dispõe a correr.
- Se você estiver nas ruas filmando onde o direito de filmar seja legalmente reconhecido ou não, e policiais, militares ou agentes da lei podem ver você, tente manter uma certa distância. Será mais difícil que sua câmera ou celular sejam apreendidos sem aviso prévio.
- Se um oficial ordenar que você “pare de interferir”, cumpra a ordem o mínimo possível e documente que está fazendo isso. Por exemplo, se pedirem que você recue, você pode dar alguns passos para trás e dizer alto o suficiente para gravar sua voz na câmera: “Estou recuando, policial”.
- Se um policial ordenar que você pare de filmar, você pode ter que obedecer para sua própria segurança. A filmagem secreta é ilegal em muitos lugares, mas pode ser sua única opção. É importante verificar as leis em seu país antes de fazer isso.
- Durante as filmagens, você pode querer configurar um backup automático para que, mesmo que seu telefone seja apreendido, você não perca sua documentação. Lembre-se, porém, de que fazer backup em uma nuvem ainda pode manter seus dados vulneráveis a solicitações legais de autoridades.
- Filme pontos de referência, placas de rua, relógios ou outros indicadores visuais que podem ajudar a verificar o local, hora e data em que a filmagem foi feita.
- Por favor, mantenha-se em segurança e lembre-se de que o vídeo pode ser usado como prova contra você.
Um movimento em formação
Na WITNESS, todos os aspectos do nosso trabalho enfatizam o direito de filmar. Tentamos abordar esse direito como um movimento para proteger nossa liberdade de filmar. Esse movimento chama à ação as pessoas que acreditam no poder da filmagem para expor as violações dos direitos humanos que levam à justiça e à responsabilização e apoia quem ainda não está ciente de que pode fazer isso.
O direito de filmar conscientemente, então, pode começar a tomar forma. É uma razão para conectar todas as pessoas que filmam em busca de justiça social, uma oportunidade de fortalecer nossos movimentos, comunidades e ecossistemas, ajudando a garantir que as imagens que as pessoas frequentemente arriscam suas vidas para capturar tenham um impacto tangível.
A confiança tem sido uma moeda importante para sustentar nossos movimentos. Levamos a prática e o processo de construção de confiança a sério. Trabalhamos com pessoas em quem confiamos. Colaboramos com aqueles com quem mantemos parcerias de longa data. Valorizamos muito essas relações, pois cada ação que realizamos é intencional, no sentido de fortalecer a verdade.
Ligar a câmera para colocar os holofotes nas pessoas que merecem o direito à dignidade, a existir é um impulso do direito de filmar.
Uma palavra sobre estratégia de design de campanha
O pensamento conceitual por trás do trabalho de design desta campanha é inspirado na própria natureza dos protestos, onde a centralidade dos movimentos e posturas corporais é colocada em primeiro plano, e são justapostos com os adereços e ferramentas que historicamente apoiaram a intencionalidade e agilidade dos corpos em movimento e a velocidade de gravação.
Para ajudar a transmitir a visão e a necessidade de proteger ou salvaguardar o direito de filmar, bem como todas as pessoas que resistem às forças opressoras, o símbolo da espiral sagrada, como é conhecido pelo povo Guna do Panamá e da Colômbia, foi invocado. Tem uma grande afinidade com o tríscele ou espiral tripla, um símbolo de proteção bem conhecido em muitas culturas indígenas africanas e asiáticas enraizadas no animismo, que evoca a ideia de eternidade ou correntes cíclicas naturais.
Padrões em espiral em materiais de campanha feitos repetidamente para criar um motivo de labirinto são utilizados, neste caso, para representar a noção proposital de gravação por uma miríade de razões justas, incluindo preservação por um longo prazo ou eternidade. Em outras palavras, documentar para a vida, pela vida. Proteste. Resista. Exista!
- Alguns recursos importantes:
- Como filmar protestos (lista de vídeos em português e inglês)
- Dicas para filmar protestos e manifestações nos EUA (inglês)
- Vídeo como prova: protocolos básicos
- Como filmar violência policial com o celular
- Dicas para gravar procedimentos de imigração (inglês)
- O direito de filmar no Brasil. Pode ou não pode?
- Gravação remota de entrevistas em vídeo ou áudio para direitos humanos (inglês)
- Dicas para coberturas de protestos (português e inglês)
- Tomada de decisão para publicar uma filmagem (espanhol)
- Baixando transmissões ao vivo e outros vídeos de mídias sociais (EN)
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Grupos e coletivos parceiros e aliados para apoiar:
- Video4Change
- Mnemonic
- Coletivo Papa Reto
- Copwatch Media
- LICADHO
- EngageMedia
- InformAction
- Documenta
- B’Tselem
- Syrian Archive
Nas próximas semanas, continuaremos a compartilhar dicas, ferramentas, orientações e recursos para apoiar e afirmar seu direito de filmar, além de histórias de coletivos parceiros. Compartilhe suas histórias de protesto conosco enviando um e-mail para engage@witness.org ou simplesmente twittando ou compartilhando postagens usando a hashtag #RightToRecord ou #DireitoDeFilmar.
Sobre a autora: Meghana Bahar é gerente do programa Global Digital Engagement da WITNESS. Antes disso, ela ajudou a estabelecer e liderar comunicações regionais para o programa Ásia-Pacífico da WITNESS. Ela tem mais de 22 anos de experiência defendendo movimentos transnacionais e globais de mulheres e direitos humanos como especialista em gênero e mídia.
Texto publicado em 23 de novembro de 2022.